Crônica de domingo – O ITALIANO

O ITALIANO

Eliakim Ferreira Oliveira

Retrato de um velho, Eduardo von Gebhardt

Era um imigrante italiano, vindo da Calábria após a Segunda Guerra Mundial. Lá, fora preso por ter matado um homem. Por que matou, não sei. Conheci-o durante minha infância. Mas estas histórias chegaram a mim por terceiros. Quando eu era pequeno, o Italiano já estava louco, vestia trapos e desaprendera o português — se é que algum dia o tenha aprendido. O que segue abaixo é como eu imagino que os casos tenham acontecido.

1.

            — Mitito, não maltrata os cachorro.
            Puxa-lhes o rabo, dá um ou outro chute, levanta o pobrezinho pela orelha.
            — Mitito, não pode! Machuca os bichinho.
            Taca água num deles.
            — Agora chega, Mitito!
            Cintada no lombo do menino. 
            Noite de lua nova, brisa fresca, segunda-feira. O Italiano espreguiça, estala as costelas, dá beijo em Antonieta (— Tô com dor de cabeça!). Bocejo gostoso. 
            — Ai, que delícia! Boa noite, minha vida.
            Uiva o primeiro cachorro.
            — Xiu! 
            Late enraivecido o segundo.
            — Xiuu!
            O terceiro chora, chora, saudade da mãe.
            — Calem a boca, que eu quero dormir — grita o Italiano.
            Não tem jeito. Madrugada de cão serelepe.
            Levanta o Italiano furibundo, camisão. Pega o porrete. Abre a cabeça do primeiro. O segundo corre por entre as pernas. Quebra a costela do pobrezinho. O terceiro uiva que é só choro. O Italiano o pega pelas orelhas, lança para o outro lado da rua.
            Entra em casa, formula uma explicação.
            — Mitito, os cachorro fugiro.
            Chora o menino, que ainda assim os amava.
            O Italiano deita, espreguiça, bocejo gostoso.
            — Boa noite, minha vida!

2.

            — E depois disso, por causa dos tedesco, saí da província de Alfano e vim para o Brasil. Pronto, Mitito, questa é a storia que io tenho pra contar. E a tua?
            — Italiano, o senhor sabia que a dona Antonieta ainda gosta de brincar?
            — Brincar? Ma como assim, Mitito?
            — Brincar sim, senhor. Com o Pepe.
            — A mia Antonieta gosta de brincar com o Pepe?
            — Isso. Como eu com a Nina: a gente pula na cama, faz cabana.
            — Non to entendendo, Mitito. A Antonieta pula na cama e faz cabana com o Pepe?
            — Faz. Fez ontem, depois que o senhor saiu. Fez na semana passada, quando o senhor foi jogar biriba com o Português. 
            — E pula na cama como? 
            — O seu Pepe fica deitado e ela pula em cima dele, feito doida. Quando eu contei para a Nina, ela disse: assim não, que eu vou te machucar. Mas como seu Pepe é forte, ela não machuca ele.
            — E a cabana?
            — É que às vezes é tudo debaixo dos lençol. 
            — …
            — O que foi, Italiano? O senhor tá bem?
            — Mitito, vai para o teu quarto. 
            Cai a tarde, Mitito ouve os gritos:
            — Ma é o corno memo, é o corno! Já não bastava em Alfano? Eu só saí de lá porque todo mundo me chamava de cornuto! Agora, eu vou pra onde, Antonieta? Para os Estados Unidos?

São Paulo, 25-9-2021

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