O ITALIANO
Eliakim Ferreira Oliveira
Era um imigrante italiano, vindo da Calábria após a Segunda Guerra Mundial. Lá, fora preso por ter matado um homem. Por que matou, não sei. Conheci-o durante minha infância. Mas estas histórias chegaram a mim por terceiros. Quando eu era pequeno, o Italiano já estava louco, vestia trapos e desaprendera o português — se é que algum dia o tenha aprendido. O que segue abaixo é como eu imagino que os casos tenham acontecido.
1.
— Mitito, não maltrata os cachorro.
Puxa-lhes o rabo, dá um ou outro chute, levanta o pobrezinho pela orelha.
— Mitito, não pode! Machuca os bichinho.
Taca água num deles.
— Agora chega, Mitito!
Cintada no lombo do menino.
Noite de lua nova, brisa fresca, segunda-feira. O Italiano espreguiça, estala as costelas, dá beijo em Antonieta (— Tô com dor de cabeça!). Bocejo gostoso.
— Ai, que delícia! Boa noite, minha vida.
Uiva o primeiro cachorro.
— Xiu!
Late enraivecido o segundo.
— Xiuu!
O terceiro chora, chora, saudade da mãe.
— Calem a boca, que eu quero dormir — grita o Italiano.
Não tem jeito. Madrugada de cão serelepe.
Levanta o Italiano furibundo, camisão. Pega o porrete. Abre a cabeça do primeiro. O segundo corre por entre as pernas. Quebra a costela do pobrezinho. O terceiro uiva que é só choro. O Italiano o pega pelas orelhas, lança para o outro lado da rua.
Entra em casa, formula uma explicação.
— Mitito, os cachorro fugiro.
Chora o menino, que ainda assim os amava.
O Italiano deita, espreguiça, bocejo gostoso.
— Boa noite, minha vida!
2.
— E depois disso, por causa dos tedesco, saí da província de Alfano e vim para o Brasil. Pronto, Mitito, questa é a storia que io tenho pra contar. E a tua?
— Italiano, o senhor sabia que a dona Antonieta ainda gosta de brincar?
— Brincar? Ma como assim, Mitito?
— Brincar sim, senhor. Com o Pepe.
— A mia Antonieta gosta de brincar com o Pepe?
— Isso. Como eu com a Nina: a gente pula na cama, faz cabana.
— Non to entendendo, Mitito. A Antonieta pula na cama e faz cabana com o Pepe?
— Faz. Fez ontem, depois que o senhor saiu. Fez na semana passada, quando o senhor foi jogar biriba com o Português.
— E pula na cama como?
— O seu Pepe fica deitado e ela pula em cima dele, feito doida. Quando eu contei para a Nina, ela disse: assim não, que eu vou te machucar. Mas como seu Pepe é forte, ela não machuca ele.
— E a cabana?
— É que às vezes é tudo debaixo dos lençol.
— …
— O que foi, Italiano? O senhor tá bem?
— Mitito, vai para o teu quarto.
Cai a tarde, Mitito ouve os gritos:
— Ma é o corno memo, é o corno! Já não bastava em Alfano? Eu só saí de lá porque todo mundo me chamava de cornuto! Agora, eu vou pra onde, Antonieta? Para os Estados Unidos?
São Paulo, 25-9-2021
2 comentários sobre “Crônica de domingo – O ITALIANO”
Vida mole não vale; tem que ser dura.
Vida mole perde; tem que ser dura.