Crônica de domingo – Namoro e casamento

NAMORO E CASAMENTO

Eliakim Ferreira Oliveira

Os amantes, de René Magritte

O NAMORO

1.

A mais linda camisa rosa, com uns babados, debrum, calça de sarja branca, a sapatilha que combinava com tudo. Ela usava óculos, cabelos presos, castanhos claros, uma franja. Quarenta anos? O lábio carnudo brilhava. E o queixinho (ai, que queixinho) arrebitado, sempre arrebitado. Atende o celular. O sotaque do Recife, o mais lindo de todos, ela diz:

            — Tu bem? Tão desanimado ultimamente.

            Além disso, meu Deus, ela sabe se preocupar com o outro! Mas o outro tem um grande defeito: é um homem… Olho as mãos dela. Aliança na mão esquerda. Não tem problema. Não tenho ciúme.

            Assim que ela se levanta, me levanto também. Paro diante dela. Ela me encara, encabulada. Não resisto:

            — Essa camisa fica muito bem em você.

            Ganho um sorriso. Alvo, luminoso, linguinha rosa, o canino, chego a ver a sininho da garganta.

            — Obrigada! — ela responde.

            E ouço de novo aquela voz, agora em minha direção, contra o meu rosto. Me arrepio, ela me cumprimenta com o olhar e mais um sorriso. Volta a andar. Eu me viro para vê-la. Olho absorto o ir e vir do quadril. Mesmo longe, ao fim do corredor, mesmo quando ela entra em outro, prestes a não ser vista, olho, torço o pescoço, o máximo que posso — ela indo embora.

2.

Na década de 60, Bioy Casares vem ao Brasil. Era a época em que os argentinos ainda chamavam os brasileiros de “brasileros” (de um dia para o outro, passaram a nos chamar “brasileños”. Até o fim da vida, no entanto, Casares nos chamava, com orgulho, “brasileros”.). Aqui Casares conhece a “brasilera” Ofélia. Segundo ele, encantadora, como toda “brasilera”. Apaixonam-se, tornam-se íntimos. Mas ele tem de voltar à Argentina. Anos depois, retorna ao Brasil. Sai em busca de Ofélia. Encontra moças parecidas, mas não a sua Ofélia. Volta de novo à Argentina. Recebe uma carta. De Ofélia! De Ofélia! Abre-a, lê e se surpreende:

            “Velho atrevido. Você nunca me verá de novo”.

            Encantadoras “las brasileras”. Pero de temperamento fuerte.

O CASAMENTO

1.

— Ela aceitou o pedido de casamento!

— Casar? Tão jovem?

— Sempre foi meu sonho…

— Sonho? Hoje quem é que sonha em se casar?

— Não, meu sonho sempre foi me separar.

2.

— Ai, doutor, acho que nosso casamento está acabado.

— Por que, Maria?

— Eu descobri algo terrível sobre meu marido.

— Conte-me.

— Ele é cônjuge… Não dá pra continuar casada com um cônjuge.

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